A grande cumulus nimbus da rede mundial de computadores engoliu tudo à sua volta numa tempestade final: desde os aparelhos específicos de rádio e televisão, passando pelos videogames, telefones e chegando até mesmo aos suportes de gravação, como DVDs, CDs ou Pen Drives. Seu antigo radinho à pilha se tornou peso de papéis; sua televisão preto e branca portátil uma peça de museu; sua primorosa coleção de livros e discos um elemento decorativo na casa.
Os nativos digitais possuem um estranhamento natural a toda tecnologia que possua um formato físico. Tranqueira velha. Mas, nos escaninhos da obsolescência, ainda encontramos, entre mofos e poeiras, muitas belas histórias de duelos e reviravoltas, de bandidos e mocinhos. Vale a pena lembrar, por exemplo, da principal guerra de formatos que a indústria e o mercado consumidor vivenciaram nos anos 1970 e 1980, muito antes da internet, do Android e do iOS: a luta do VHS contra o Betamax!
Uma guerra de formatos pode ser considerada uma disputa entre os fabricantes pela primazia de determinado segmento, numa situação onde duas ou mais tecnologias incompatíveis, de procedências distintas, tentam estabelecer o modelo dominante e a preferência do consumidor. Ao longo do século XX e início do XXI assistimos a várias pelejas similares, mas provavelmente nenhuma delas se tornou tão popular e icônica de uma época quanto aquela promovida entre duas gigantes da indústria japonesa de audiovisual, JVC e Sony.
Em meados dos anos 1970, o Japão era a “China” de seu tempo, ou melhor: era a grande nação rival dos Estados Unidos, economicamente, socialmente e culturalmente. Na posição de segunda maior economia do planeta, sua indústria estava no auge e competia ferozmente com o ocidente na produção de bens e geração de empregos, através de marcas famosas até hoje como TDK, Honda e Nintendo. Após o sucesso das fitas cassete de áudio, para a gravação de músicas (vencendo a guerra de formatos contra o cartucho “8 Track”), os engravatados do sol nascente decidiram que era chegada a hora de uma nova guerra, desta vez pelo mercado caseiro de vídeo.
Neste quesito, os tape decks de rolo entraram em decadência depois que a Sony lançou, em 1971, um novo formato de gravação, muito mais compacto, dinâmico, seguro, barato e user friendly: a primeira fita cassete de vídeo, chamada de U-matic. Esta pequena caixinha preta guardava em seu interior as fitas magnéticas que antigamente eram bem maiores e ficavam expostas numa máquina, permitindo agora um manuseio simples aos consumidores de um produto tranquilamente fabricável e altamente comercializável.
Isto, por sua vez, mudou para sempre o mercado de audiovisual, na medida em que agora você podia gravar em casa os seus filmes e programas favoritos de televisão. E vai muito além, pois expandiu a cultura de cineclubes e criou o nicho das videolocadoras, já que gravar e reproduzir conteúdos audiovisuais havia se tornado muito mais simples do que antes, quando só existiam películas de filme ou tape decks de rolo. Finalmente a tecnologia dos videotapes migrava dos estúdios de televisão profissionais para a sua casa, e as películas de cinema ficavam restritas às salas de projeção públicas.
Porém a U-matic, devido ao seu alto custo, ficou mais restrita aos setores profissionais. O primeiro aparelho de videocassete para uso verdadeiramente doméstico foi o VCR (Video Cassette Recording), da Philips, de 1972. Poucos anos depois, em 1975, a Sony lançou seu Betamax, que finalmente tornaria a tecnologia mais popular entre o consumidor final de fitas e aparelhos de videocassete. As fitas Betamax, ou simplesmente Beta, possuíam uma ótima qualidade de áudio e vídeo para o mercado caseiro da época, e a Sony prevaleceu por um curto período – não apenas pelo pioneirismo na produção do formato, mas também pela exclusividade e propaganda eficaz.
Um breve domínio… Porque, no ano seguinte, em 1976, a JVC lançou o formato VHS (Video Home System) que, em menos de cinco anos, por volta de 1981, ganhou aproximadamente 70% do mercado norte-americano, desbancando a vitória efêmera do formato da Sony. Qual a razão disto?
Bem, especulam-se muitas razões. Em primeiro lugar, o Betamax era um produto exclusivo da Sony, enquanto o VHS era licenciado pela JVC para ser produzido por qualquer outra marca (de novo: alguém gritou Apple x Google aí?). Em seguida, apesar de ser supostamente inferior, o VHS, na prática, tinha a mesma qualidade aos olhos de quem mais importa: o consumidor comum, que é a fonte básica de lucros de qualquer empreendimento.
Além disso, a tecnologia Betamax, até por ser produzida por uma única fábrica, mas também por ser ligeiramente superior, custava mais caro, tanto em termos de aparelhos quanto de fitas – fator que pesava no bolso de quem comprava ou alugava. Finalmente, a razão que destronou de vez o Beta: inicialmente, este conseguia gravar somente 1 hora de áudio e vídeo, enquanto seu concorrente da JVC oferecia o dobro, ou seja: 2 horas. Os consumidores preferiam gravar seus longos jogos de futebol e filmes em uma fita só. Para piorar, com o desenvolvimento das “cabeças” dos videocassetes de VHS, a diferença de qualidade entre VHS e Beta, que já era quase desprezível, tornou-se virtualmente nula.
Já que os dois formatos, ou melhor, as duas tecnologias eram incompatíveis entre si – até porque a dimensão das fitas era diferente, e necessitavam de aparelhos diferentes para tocar – praticamente todos os fabricantes, distribuidores, realizadores e comerciantes logo estavam migrando do produto da Sony, que havia prevalecido no início da indústria dos videocassetes, para o produto concorrente da JVC, como num efeito manada. Em 1979 a Philips tentou lançar um novo produto, o chamado Video 2000, para substituir seu antigo VCR e disputar mercado na guerra declarada entre JVC e Sony. Mas já era tarde até mesmo para esta última, que não conseguia se manter competitiva no mercado de videocassetes.
Numa guerra de formatos, quanto mais outros consumidores estiverem usando um produto similar ao seu, melhor é a sua experiência. Com o estabelecimento de um formato padrão para a tecnologia, por exemplo, não seria necessário uma locadora possuir estoques duplicados de fitas num formato e no outro, nem seria preciso que você tivesse em casa um videocassete VHS e outro Betamax para poder trocar fitas com seus amigos. Havia também o medo de que você estivesse comprando uma tecnologia que estava se tornando obsoleta ou em desuso – afinal, os consumidores acabam tendo essa percepção no médio prazo, e isto também contribuiu para a migração do Beta para o VHS.
A Sony ainda tentou frear a concorrência da JVC por cerca de dez anos, licenciando seu formato Beta para outras empresas e promovendo campanhas publicitárias agressivas que enalteciam a qualidade supostamente superior de seu formato, bem como aumentando a capacidade de armazenagem para cerca de 3 horas de gravação. Muitas locadoras, principalmente na América Latina e na Europa, continuaram possuindo um acervo razoável de fitas Betamax ao longo de toda a década de 80. Contudo, nada disso foi suficiente – até porque o VHS já oferecia 4 horas de gravação – e em 1988 a Sony admitiu a derrota: também passou a fabricar fitas e videocassetes no formato VHS.
Desta forma, ao longo dos anos 1990 as fitas Beta se tornaram um artigo de luxo, uma raridade dificilmente encontrada, já que basicamente todas as locadoras e lojas passaram a comercializar somente em VHS, assim como as produtoras de vídeos e filmes gravavam conteúdo apenas neste formato, atendendo à demanda quase irrestrita dos consumidores pela tenologia da JVC. O formato Betamax continuou sendo usado relativamente por alguns anos nos estúdios de televisão, mas também acabou abandonado no final. Os últimos aparelhos Beta foram produzidos por volta de 2002 e as últimas fitas deixaram de ser fabricadas pela Sony em 2015.
No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o próprio VHS também sucumbiu diante da nova tecnologia que estava se consolidando para a gravação de conteúdo audiovisual: o DVD. Na segunda metade dos anos 2000, o DVD também seria suplantado por outra guerra de formatos: a luta entre Blu-ray, da Sony e o HD DVD, da Toshiba. Mas esta é uma outra história de mídia física, que a Geração Z ainda há de compreender…
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