Quase 70, mas com corpinho de 22: a máquina de escrever Olivetti Lettera

As máquinas de escrever podem estar um pouco fora de moda mas, ainda assim, causam um borbulhar de mil borboletas na barriga de 11 em cada 10 escritores. Afinal essas modernosas engenhocas, tão típicas das redações de jornal do século XX, permanecem na cultura popular como um símbolo de status literário, conferindo ao seu possuidor a intocada aura de enigmático artista das palavras.

Um desses aparelhos mais estilosos foi a Olivetti Lettera 22desenhada pelo designer gráfico Marcello Nizzoli em 1949. Este foi por muitos anos chefe de design na longeva empresa Olivetti que, embora tenha sido uma famosa marca de máquinas de escrever, hoje pertence ao grupo Telecom Italia e está focada no desenvolvimento de soluções digitais.

Nizzoli era um adepto da arte futurista, um movimento estético com origens na Itália há cerca de 100 anos, que enfatizava a velocidade, a tecnologia, a juventude e até mesmo a violência como formas de expressão artística. Havia uma glorificação da modernidade entre seus pensadores e, sobretudo, uma vontade de libertação das amarras de um passado visto como atrasado em sua época. Desta forma, a tendência futurista se consolidou no desenvolvimento de produtos e objetos da era industrial, tais como o carro, o avião e também, claro, a máquina de escrever.

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Olivetti Lettera 22, toda inspirada nessa configuração de ideias “pra-frentex” (para usar um termo bem retrofuturista), acabou se tornando um ícone de design, sendo considerada um dos aparelhos mais belos já desenhados, possuindo muitos fãs mundo afora ainda hoje e fazendo milhares de corações datilografarem com mais força. Como era de se esperar, com toda essa “belezzura” desfilando na passarela da indústria italiana do pós-Guerra, a Lettera 22 venceu o Compasso D’oro 1954, uma premiação que reconhece e promove a qualidade do design industrial italiano. Além disto, em 1959 o Instituto de Tecnologia de Illinois escolheu esta Olivetti como o melhor produto de design dos cem anos anteriores.

Ela é uma máquina portátil, de tamanho reduzido quando comparada às máquinas de escrever mais tradicionais, e chama a atenção não apenas pela beleza, mas também pela leveza, praticidade e pelas dimensões compactas (27x37x8 cm) – muito embora 3,7 Kg hoje sejam classificados na categoria “halteres de academia para iniciantes”! Contudo, assim como a Vespa ou a máquina de café expresso, a Olivetti Lettera 22 é notável, tal qual um dos expressivos representantes da vanguarda e da cultura italiana que renascia das cinzas da Segunda Guerra Mundial. Até mesmo uma criança dos anos 1950 poderia manuseá-la com grande gosto já que, além de ser produzida em larga escala, suas formas também eram amigáveis e convidativas até para os mais inexperientes.

Embora fosse um aparelho totalmente mecânico e italiano, a Lettera 22 não possuía teclas de acentuação, assim como também carecia dos número 0 e 1, que deveriam ser substituídos pelas letras “o” e “i”. Talvez pareça algo meio esquisito nos dias de hoje, mas isto era muito comum em máquinas de escrever naquela época e, de certa forma, antecipou em pelo menos 50 anos as ideias de simplicidade e elegância das grandes marcas e produtos da era digital bem sucedidos no séc. XXI.

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Quantos grandes escritores podem ter iniciado suas carreiras com uma Olivetti Lettera 22? Não se sabe ao certo, porém sua aparição foi simbólica nas mãos de inúmeros artistas. Thomas Pynchon a mencionou em seu romance Vício Inerente (2009), uma obra literária de investigação policial ambientada na Califórnia das drogas e da contracultura dos anos 1970. O poeta e cantor Leonard Cohen e o ator Tom Hanks declararam possuir uma dessas pequenas maravilhas da engenharia pop em suas garagens. O escritor alemão Gunter Grass datilografava somente nesse tipo de aparelho. E o jornalista italiano Indro Montanelli foi homenageado com um monumento em Milão, onde é retratado datilografando supostamente numa Lettera 22, máquina com a qual tornou-se famoso.

Esta Olivetti é uma máquina de escrever adorável, não é mesmo? Sua aparência e estilo nos remetem à uma tranquila sensação de aconchego literário, onde escritor e máquina tornam-se um único aparelho de imaginar e escreverTodas as palavras, ideias e mundos incríveis que existem na mente de cada datilógrafo pulsam de forma mais vibrante no papel de uma Lettera 22, signo distinto de graça e pureza das Letras.

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